A matéria “Alimentos que fazem a tireoide trabalhar
mais e você perder peso”, publicada pela revista Viva Saúde, edição de nº 78,
infelizmente, traz em seu título uma mensagem subliminar que reflete a
realidade da população brasileira em relação ao excesso de peso e ao baixo
funcionamento da tireoide. Apesar de a reportagem abordar informações objetivas
sobre o que é a tireoide, seus hormônios e apresentar alguns problemas comuns
causados pelo desequilíbrio dessa glândula, a matéria tratou superficialmente
dos efeitos da alimentação para o bom funcionamento do órgão.
Analisando inicialmente o título da matéria, nota-se
que este fere a um dos princípios da Nutrição Funcional: “o tratamento centrado
no paciente e não na doença”.
Culturalmente, temos o hábito de focar no
diagnóstico médico. Queremos saber qual o problema, “o que temos”. No entanto,
não desmerecendo a importância do diagnóstico, há hoje uma inversão de valores
que nos impede de olhar para as reais causas dos problemas que afetam a saúde.
“Porque estamos doentes?” É o questionamento correto que nos levaria a uma
análise de todo o histórico único do paciente. Essa ênfase é bem retratada na
frase de Osler: “É mais importante saber quem é o paciente que tem a doença, do
que, que doença o paciente tem”. Identificar patologias e associar ao melhor
tratamento farmacológico não corta o mal pela raiz, e na maioria dos casos é
apenas uma solução de curto prazo, com garantia de efeitos colaterais
declarados via bula. Como já dizia o velho ditado popular: “melhor prevenir do
que remediar”. Essa é a ideia da Nutrição Funcional.
Depositar a responsabilidade da perda de peso em uma
única glândula seria como exigir que o jogador de um time de futebol ganhe o
jogo sozinho. Analisar a tireoide separadamente desconsidera outro principio
básico, conhecido como interconexão de fatores fisiológicos. A Nutrição
Funcional reconhece que o bom funcionamento endócrino, no caso o da glândula
tireoide, depende do equilíbrio de outros sistemas fisiológicos. Além do mais,
estão bem estabelecidas pelos estudos que a obesidade e o sobrepeso são
desordens nutri-neuro-imune-endócrino-metabólicas complexas, ou seja, uma
associação de desequilíbrios orgânicos e nunca um desequilíbrio singular, assim
como o hipotireoidismo.
A matéria deteve-se em mostrar como as disfunções da
tireóide afetam o corpo em diversos sistemas, mas o raciocínio inverso também
pode ser feito, visto o princípio da interconexão de fatores fisiológicos. Ao
responder duas perguntar básicas, podemos fazer a conexão entre a tireoide e
outros sistemas sob a ótica da Nutrição Funcional: 1) Quais necessidades
individuais precisam ser adequadas para o bom funcionamento da tireoide? 2) O
que a pessoa precisa retirar de sua alimentação ou minimizar o consumo que
atrapalha o funcionamento do órgão?
Sabendo que nossas células representam a menor fração
funcional do corpo e são dependentes de nutrientes, as células da tireoide
possuem uma necessidade maior, principalmente, mas não se restringindo, em
relação ao iodo, zinco e selênio. Uma segunda leva de nutrientes, também
necessários, são as vitaminas A, B2, B6 e B12 e o mineral ferro. As
características de uma alimentação que dão suporte a esse sistema endócrino
incluem em seu cardápio alimentos como algas marinhas (Kombu, Wakame, Hijiki,
kelp, Agar-agar, Chlorella, Spirulina, Lithotanium), peixes de águas frias e
pequenos (pescadinha, merluza, sardinha e outros), ovos e oleaginosas (castanha
do Brasil e de caju, avelã, macadâmia, nozes e amêndoas). Esse grupo de
alimentos é fonte de nutrientes que participam como matéria prima na formação
do hormônio T4 e da conversão deste em sua forma ativa T3. Já o sal, ao
contrário do que se pensa, possui baixa biodisponibilidade de iodo devido à
alta concentração de cloro que compete por sítios de absorção.
A segunda pergunta nos leva a refletir sobre a carga
tóxica a qual estamos expostos diariamente seja na água, no ar, nos plásticos,
nos produtos de limpeza e de higiene, assim como no alimento, contaminado com
agrotóxicos e hormônios, entre outras substâncias. Considerados disruptores
endócrinos, esses compostos foram definidos pela agência de proteção ambiental
dos EUA como “agentes exógenos, que interferem na síntese, secreção,
transporte, metabolismo, ação ligante, ou eliminação do hormônio natural
presente no organismo responsável pela homeostase, reprodução, além de
processos de desenvolvimento”.
Documento
publicado este ano pela Sociedade Endócrina sintetizou estudos que mostram a
capacidade de mais de 150 compostos de interferir em diferentes pontos na
produção dos hormônios tireoidianos.
Outro ponto para o qual devemos nos atentar é o glúten. Estudos têm
feito associação entre esta fração protéica e o desenvolvimento de doenças
autoimunes como a tireoidite de Hashimoto. Isso ocorre devido a uma reação
imune equivocada frente à semelhança entre os aminoácidos presentes no tecido
glandular e no glúten.
Respondidas as perguntas, fica fácil situar a
participação de outros órgãos nos desequilíbrios tireoidianos. Entre os
diversos sistemas orgânicos, dois possuem destaque nesse caso: sistema
gastrintestinal e ao de destoxificação, bem representados pelos intestinos e
fígado, respectivamente.
O intestino possui dois papéis primordiais: absorver
os nutrientes (I, Zn, Se, Fe, Vit A, B2, B6 e B12) e excluir todo o restante
(disruptores endócrinos e alérgenos).
Para realizar essas tarefas e não super
ativar o sistema de defesa, sua integridade se faz necessária, visto que 60 a
80% do sistema imunológico está presente ao longo do tubo gastrintestinal. Como
bem descrito no texto “Nutrientes para potencializar nosso sistema de defesa”
da Dra. Camilla Almeida Menezes, deveríamos consumir alimentos que
fortalecessem essa barreira. No entanto, quando isso não ocorre, aquilo que não
deveria ser absorvido é, enquanto que os nutrientes não são. A entrada das
toxinas e do glúten ativa o sistema imunológico, levando a inflamação crônica
subclínica e processos alérgicos tardios que perpetuam em todo o organismo sem
apresentar características clássicas como dor, ou calor, tornando difícil a
identificação e causando um estrago enorme, por exemplo, na tireoide.
Já o fígado, usina metabólica do organismo, tem o
papel de processar, armazenar, redistribuir e tornar possível a excreção de
quase tudo que entra no organismo. Quando íntegro, garante a conversão de
grande parte do hormônio T4 em T3, dependente de zinco e selênio. Porém, a
carência nutricional e a sobrecarga tóxica o impede de realizar suas funções,
congestionando a função hepática.
Além de direcionar os fatores alimentares, as toxinas
e alérgenos, outras estratégias podem ajudar no equilíbrio da tireoide, como
exposição solar adequada, água e ar de qualidade, regulação do ciclo biológico
de sono e vigília, relaxamento ativo, movimento, ritmo, amor, conexão,
relacionamento, e propósito. Percebe-se que a glândula precisa do fígado e
intestinos íntegros para garantir seu adequado funcionamento. Tudo funciona bem
quando nutrimos nossas células. Então, procure um profissional capacitado para
direcionar suas individualidades bioquímicas através de uma alimentação
saudável, pois a grande fonte do bem estar está no estilo de vida!
** Texto elaborado pelo Dr. Nélio Carlos de Araújo
Santos Filho, aluno bolsista do curso de Pós-graduação em Nutrição Clínica
Funcional pela VP Consultoria Nutricional/ Divisão Ensino e Pesquisa.